CONSTITUCIONALISMO GLOBAL – do diálogo das fontes à fonte dos diálogos

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CONSTITUCIONALISMO GLOBAL – do diálogo das fontes à fonte dos diálogos

Procurador do Município de Fortaleza - Ceará - Brasil Mestre e Doutor em Direito Constitucional - UNIFOR Pós-Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Portugal - FDUL Professor de Direito Constitucional

No ano de 2004, a Editora Martins Fontes lançou no Brasil a tradução da obra Pour un Droit Commun, de Mireille Delmas-Marty, originalmente publicada na França, em 1994. Preocupada com a produção desenfreada de normas jurídicas, a autora reconhece que o problema não se encontra na quantidade, mas em seu conteúdo. Já no Prefácio, encontra-se que um direito comum não deve ser imposto de cima para baixo, mas compartilhado como verdade de baixo para cima, reconhecendo-se sua relatividade e evolução (Delmas-Marty, Mireille. Por um direito comum. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2004).



"o Estado Moderno em verdade significa uma nova representação de poder grandemente distinta daquela que prevaleceu em passado mais remoto..."



A ideia de um direito comum, penso, já se faz presente quando um Tribunal Constitucional utiliza em sua metodologia de julgamento, de decisão, o diálogo com outros Tribunais (legal transplants, migração constitucional, empréstimo constitucional, por exemplo). A decisão oriunda dessa prática considera, inevitavelmente, o fato de direito alienígena contribuir para a solução de conflitos domésticos. Portanto, ocorre um diálogo entre fontes, internas e externas, com o objetivo de construir uma decisão que será caracterizada por traços comuns dos sistemas aplicados.



Assim, o diálogo entre os sistemas constitucionais mundiais a partir do conhecimento e reconhecimento de diferenças culturais em suas várias conotações deve possibilitar a construção de um sistema jurídico a ser aplicado por um Tribunal com jurisdição internacional.

É reconhecido que os Estados soberanos possuem problemas comuns, como o caso das violações de direitos humanos, entendidos como direitos previstos na esfera internacional e de observação obrigatória pelos Estados que aderirem e ratificarem tais normas. Ademais, muitas violações domésticas de direitos fundamentais também constituem situações-problemas de vários países, como é o caso dos imigrantes forçados. Tais fatos exigem um modelo de abordagem do direito que incorpore em seus paradigmas fundamentais os avanços ocorridos na teoria da linguagem e hermenêutica jurídica, pelo menos.

A construção do pós-positivismo, entendido como um modelo de pensar o direito, surge com Friedrich Müller, na obra Juristische Methodik, cuja primeira edição data de 1971. Distante de representar um modelo antipositivista, apresenta-se como um modelo teórico que considera a superação do positivismo diante das contribuições da filosofia da linguagem e da hermenêutica (MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturante do direito. Tradução de Peter Naumann, São Paulo, RT, 2013, p. 10-11).

Esta nova perspectiva permite que pensemos o direito a partir de posições (paradigmas) que dessacralizam a lei escrita e reconhecem a hierarquia formal das constituições e a força normativa de suas normas. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, proliferou pelo globo a criação e instalação de Tribunais ou Cortes Constitucionais nacionais com o objetivo primeiro de garantia das constituições. Diante de violações a normas constitucionais perpetradas por atos de menor hierarquia, aquela deveria aplicada em detrimento destes (judicial review).

Admitindo-se que estamos num constitucionalismo cuja característica primeira é a proteção e efetivação de direitos fundamentais (com núcleo central na ideia de dignidade humana), para além do Estado-nação temos a criação de jurisdições internacionais, mesmo parciais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos Humanos, com a missão de resguardar direitos humanos violados pelos países que aderiram aos tratados internacionais que as instituíram.

Portanto, podemos falar da criação de um direito de origem internacional que orienta os ordenamentos nacionais e que é parâmetro de atuação e julgamento de cortes constitucionais domésticas. Um direito criado jurisprudencalmente por uma Corte Constitucional Internacional a partir de fontes internacionais e nacionais comuns. Vigora, portanto, uma multiplicidade de fontes, nacionais e internacionais, para o estabelecimento de uma resposta constitucionalmente adequada para os casos concretos e aqui falamos de demandas de competência dos Tribunais Constitucionais.

Embora com aparência de quimera, produto da imaginação e sem possibilidade de realizar-se, a institucionalização de uma Corte com jurisdição global impõe-se como exigência lógica para a solução de conflitos que ultrapassam os limites territoriais dos Estados. A resistência acadêmica quanto a criação dessa Corte Internacional baseia-se em premissas políticas, econômicas e jurídicas, principalmente. Estas dimensões da experiência humana seriam obstáculos intransponíveis. Nas lições de Paulo Bonavides, “o Estado Moderno em verdade significa uma nova representação de poder grandemente distinta daquela que prevaleceu em passado mais remoto...”(BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. São Pulo: Malheiros Editores, 2007, p. 31), alertando que a natureza governativa da sociedade ocidental sofre remodelações desde a Antiguidade. Das alianças entre Monarquia e Sacerdócio, o profano e o sagrado, passando pela fundação da soberania como poder inabalável, além da posterior separação entre Igreja e Estado, chegamos ao Estado Constitucional e, mais recentemente, na União Europeia, no Mercosul.

A trajetória, apertadamente descrita das várias formas de remodelação de poder (Estado), não deixaram de ocorrer em face de obstáculos sociais, jurídicos, econômicos ou políticos. Distante de uma causalidade natural, o fenômeno indica que a humanidade busca alternativas para a otimização da defesa dos direitos humanos e auxílio aos Estados no combate e prevenção das violações a tais direitos. É dizer, a Corte Constitucional Internacional tem por função, auxiliar o Estado em suas questões constitucionais, especialmente onde se destacam os litígios estruturais, para a sua efetiva aplicabilidade no mundo jurídico, sendo essencial para questões nacionais e internacionais sem que isso represente ofensa à soberania. A CCI não agiria ex offcio.

No que pertine aos Direitos Humanos, seria mais uma ferramenta no combate das desigualdades sociais, culturais e políticas, protegendo a aplicabilidade efetiva dos direitos fundamentais.

Em entrevista à Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, o Professor Paulo Ferreira da Cunha, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto – Portugal, um dos membros do Comitê para a criação da CCI, observa que instituições nacionais a que estamos habituados, não respondem satisfatoriamente a certas demandas por efetivação dos direitos fundamentais. Daí falar-se em constitucionalismo multinível, afastando-se qualquer agressão à soberania (entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R6eztMNC5AY).

O Constitucionalismo Global, portanto, será sedimentado pela existência de uma Corte Constitucional Internacional representativa da palavra comum de vários países quanto à solução de problemas limítrofes cujas instituições forem incapazes de enfrenta-los e resolvê-los. Importante ressaltar, por fim, que não haverá, indispensavelmente, a elaboração de uma Constituição Mundial.

O Constitucionalismo Global traria como resultado medular não uma constituição, mas uma Corte Constitucional Internacional.

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